Cérebro na terceira idade, mesmo sem alterações patológicas, o envelhecimento provoca uma reorganização do funcionamento da mente
Com a idade, o cérebro também muda. Trata-se de alterações estruturais e também funcionais, na forma como as diferentes regiões desse órgão se comunicam e relacionam. De acordo com a revista Cerebral Cortex, resultados publicados ajudam a caracterizar essas mudanças. É o que explica Geraldo Busatto Filho, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), um dos autores do artigo. “Funções mentais importantes exigem integração e sincronia entre diferentes áreas”.
“Observamos que o cérebro passa por um processo de reorganização”, explica Geraldo Busatto Filho, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), um dos autores do artigo. “Funções mentais importantes exigem integração e sincronia entre diferentes áreas.”
Cérebro na terceira idade
Já para Luiz Kobuti Ferreira, autor principal do estudo e também da FM-USP, conta que o estudo sobre o cérebro na terceira idade avaliou pareamentos entre 278 regiões do cérebro inteiro. Entre os três mais importantes resultados do trabalho, realizado com ressonância magnética funcional, está: o aumento da associação em idosos entre áreas de funções diferentes que não precisariam se comunicar para realizar as respectivas tarefas. Além disso, o exame, que permite ver o cérebro em funcionamento, mostrou que a área responsável pela visão, por exemplo, possui conexão fraca com aquela associada ao raciocínio lógico em jovens e adultos. No entanto, conforme a idade aumenta, essas áreas passam a funcionar mais em conjunto.
“Uma das teorias sobre isso diz que certas regiões cerebrais não conseguem exercer sua função tão bem quanto antes e recrutam outras áreas como forma de compensação, o que leva a uma perda de especialização.”
Ruídos
Sendo assim, tal tipo de funcionamento pode deixar o cérebro mais suscetível a ruídos, o que dificulta a execução de tarefas que exigem atenção ao mundo externo. Como os idosos avaliados eram saudáveis e não apresentavam problemas cognitivos, também é possível que a maior conexão entre diferentes áreas esteja relacionada à maior experiência de vida e aprendizado.
Outra diferença entre o cérebro de jovens e de idosos é uma perda de sincronia entre regiões. Durante a infância e a adolescência, algumas redes cerebrais começam a se comunicar mais entre si e passam a ficar ativas simultaneamente, enquanto regiões com funções diferentes podem fazer o processo contrário: se uma delas está ativa, a outra não está. Um exemplo são as regiões responsáveis pela atenção, ativadas diante de uma ameaça, e a Rede de Modo Padrão (Default Mode Network, em inglês), um conjunto de regiões ativo quando a pessoa está alheia ao mundo externo. E em uma parte dos idosos estudados a sincronia entre essas regiões, que é forte em jovens e adultos, fica reduzida.
Contudo, os pares de regiões fortemente associadas entre si também podem se tornar menos conectadas em idosos. Tal observação foi constatada especialmente na Rede de Modo Padrão e corroborou estudos anteriores realizados com regiões específicas do cérebro.
Todavia, os achados complementam trabalhos anteriores do grupo de Busatto, que analisaram como o envelhecimento afeta o cérebro do ponto de vista estrutural.
“O cérebro de idosos apresenta uma diminuição de volume que pode ser explicada por várias alterações, incluindo diminuição da densidade de conexões sinápticas, da atividade de neurotransmissores e perda dos prolongamentos dos neurônios.”
Envelhecimento não saudável do cérebro
Por outro lado, há grupos que se concentram em compreender como se dá o envelhecimento não saudável do cérebro, como o de Carlos Alberto Buchpiguel e Daniele Farias, do Centro de Medicina Nuclear da USP, em colaboração com o grupo de Busatto.
“Eles estão analisando pacientes com comprometimento cognitivo leve e estágio inicial de doença de Alzheimer, responsável por mais da metade dos casos de demência.”
Busatto diz ainda que, em relação ao tipo de tomografia que possibilita monitorar determinadas substâncias químicas no organismo:
“Está sendo usada a técnica de PET para fazer imagens do acúmulo de fragmentos do peptídeo beta-amiloide no cérebro para analisar, em conjunto com exames de ressonância magnética funcional, se esses acúmulos estão relacionados com mudanças nos padrões de conectividade cerebral.”
A doença de Alzheimer também é estudada por Marcio Balthazar, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp): tanto alterações estruturais e funcionais que ocorrem no cérebro como as semelhanças e diferenças entre o envelhecimento saudável e o patológico.
Neste caso, Balthazar observa que pacientes com Alzheimer, em comparação com idosos saudáveis, apresentam uma desativação menor da Rede de Modo Padrão durante a realização de tarefas voltadas para o mundo externo, o que resulta numa menor capacidade de atenção e concentração. E também detectou uma maior quantidade de conexões entre áreas do cérebro que exercem diferentes funções. Conforme a doença avança, o cérebro dos pacientes diminui muito mais de tamanho quando comparado a cérebros saudáveis, e deixa de recrutar outras regiões como forma de compensação.
Há ainda um estudo da UFScar sobre a composição corporal de idosos com Alzheimer, que avalia influência da densidade óssea, gordura visceral e massa muscular em paciente com a doença no Brasil.
Prevenir e remediar
Um dos principais desafios para Balthazar é encontrar métodos para detectar a doença de Alzheimer da forma mais precoce possível. Uma ideia é unir os padrões de conectividade cerebral com o que já se sabe sobre a deposição da proteína beta-amiloide, principal responsável pela perda de conectividade e por problemas cognitivos na doença.
“Nossos resultados mais recentes indicam que é possível utilizar níveis de beta-amiloide para predizer o grau de conectividade cerebral.”
Ele ressalta que a ideia de usar a proteína e imagens cerebrais como biomarcadores tem potencial. Porém, ainda precisa ser refinada para ser utilizada com sucesso na área clínica.
Por fim, outro objetivo é descobrir um tratamento eficaz para a doença de Alzheimer, que hoje não possui cura. Atualmente, o grupo de Balthazar estuda se o exercício físico – que ajuda a prevenir a doença – pode ter efeito também como tratamento.
“Resultados preliminares indicam que exercícios físicos têm potencial para retardar não apenas o aparecimento, mas também a progressão da doença.”
*Foto: Reprodução/Unsplash (Centre for Ageing Better – https://unsplash.com/pt-br/fotografias/BzJaluGzsSw)